Vivemos tempos nos quais álbuns de músicas já não precisam existir fisicamente. Por mais que a indústria fonográfica insista em ameaçar internautas com processos a quem baixa arquivos mp3 pela Internet, o fato é que a tendência é irreversível. Querer conter a troca de arquivos na rede é algo tão utópico quanto tentar curar um ferimento a bala com band-aid.
O começo do fim do mundo musical como o conhecíamos ocorre em 1987, quando um laboratório do Instituto Fraunhofer, da Alemanha, desenvolve um algoritmo para compressão de áudio, o Eureka 147. Prossegue com o surgimento de um grupo de pesquisadores sobre o assunto, o MPEG (Moving Picture Experts Group), e desemboca na criação do MPEG Audio Layer-3, terceira geração de arquivos capazes de comprimir áudios, codificando-os sem que houvesse expressiva perda de qualidade. A música utilizada nos testes que originaram os arquivos MPEG-3 é Tom’s Diner, de Suzanne Vega. Em 1995, os pesquisadores do Instituto Fraunhofer definem o nome pelos quais estes arquivos passam a ser conhecidos em definitivo: MP3. Em 1999, um jovem de apenas 19 anos chamado Shawn Fanning cria um programa que facilita imensamente o compartilhamento de músicas entre internautas do mundo inteiro, o Napster. Desde então, a indústria musical nunca mais seria a mesma.
É bóbvio que gravadoras e muitos músicos não ficaram satisfeitos em ver suas obras serem distribuídas gratuitamente a torto e a direito. Por outro lado, o acesso rápido e descomplicado a canções de todos os cantos do mundo facilitou a divulgação de bandas de garagem, que já não dependem mais da intermediação de empresários, gravadoras ou jabás para fazer com que seu som seja conhecido. Que o digam grupos como Arctic Monkeys e Clap Your Hands Say Yeah, que chegaram ao topo das paradas graças ao boca-a-boca fomentado por pessoas que os conheceram por intermédio de MP3, blogs e listas de discussão. MySpace e YouTube são outros veículos preciosos de divulgação para músicos novos, como provam os exemplos de Lily Allen (considerada a "musa do MySpace") e Ok Go (notabilizados pelo clipe de Here It Goes Again, cuja coreografia dos integrantes da banda fazendo estripolias em esteiras rolantes já foi visualizada quase 9 milhões de vezes no YouTube). No Brasil, podem ser citados casos como o do grupo gaúcho Fresno, que contabilizou mais de 250 mil downloads de suas músicas no site Trama Virtual e foi parar no Top 20 da MTV. De Ewerton Assunção, compositor paranaense que hoje faz shows por todo o Brasil desde que sua canção Vou Te Excluir do Meu Orkut criou o gênero "sertanerd". Ou do Mombojó, grupo recifense que disponibilizou em seu site todas as faixas do seu disco de estréia, "Nadadenovo", para download gratuito sob a licença Creative Commons, e hoje é considerada por crítica e público uma das melhores bandas brasileiras da atualidade.
Em tempos nos quais encontramos tudo quanto é tipo de música ao alcance de alguns cliques na rede, cantores e compositores não podem mais depender da venda de álbuns para garantir o pagamento dos quartos de hotel que ainda hão de quebrar. Ok, a principal fonte de renda das bandas sempre se originou de shows, e isso certamente não mudará nestes tempos em que músicas circulam livremente por computadores, iPods, celulares, Soulseeks e Pandoras da vida. É digno de atenção, pois, encontrar iniciativas como a da cachaça Sagatiba, que encomendou a um dos mais conhecidos músicos brasileiros no exterior, Seu Jorge, uma composição para divulgar sua marca: Eterna Busca. É algo no mínimo curioso: a música, que fará parte de seu próximo álbum, "Nova América" (com lançamento previsto para o primeiro trimestre de 2007), já está tocando nas rádios. No entanto, a letra não omite seu aspecto promocional. A palavra "Sagatiba" é repetida várias vezes, como se fosse um mantra ou uma mensagem nada subliminar. Em uma iniciativa rara no Brasil, Eterna Busca ainda não está disponível para compra no formato CD ou single, mas já pode ser downloadeada legalmente e gratuitamente no site da marca. Diferente de casos como o de Tim Maia tentando persuadir seus ouvintes a lerem o livro "Universo em Desencanto", ou dos Mutantes fazendo comerciais para a Shell, estamos diante de um interessante caso no qual rádios veiculam um jingle disfarçado sob a forma de hit, um exemplo sui generis de tempos em que a expressão "marketing viral" é citada com freqüência cada vez maior.
É lógico que nem todos os artistas terão esta espécie de mecenato neoliberal como meio para garantirem sua subsistência. Cresce, pois, a importância da aproximação maior entre artistas e público. Agora você pode ser amigo de seu roqueiro predileto no MySpace ou Orkut, comentar os posts do blog de uma banda, conferir o que seus ídolos ouvem por intermédio do Last.fm ou Pandora. É como cantou Bob em 1964: The Times, They Are A-Changin’. Sobre estes instigantes tempos pós-modernos nos quais a única constante é a mudança, vale a pena citar uma declaração feita por Dylan em recente entrevista à revista Rolling Stone, quando questionado a respeito do fato de as pessoas estarem baixando suas músicas de graça na Internet: "Bem, por que não? Elas não valem nada mesmo". Independente de concordarmos ou não com sua declaração, uma questão fica no ar: a indústria musical saberá se adaptar a este admirável mundo novo? Outra, certamente mais relevante: músicos realmente dependem dessa indústria para sobreviver?
fonte: Overmundo. (www.overmundo.com.br)
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