sábado, 31 de março de 2007

PMs são indiciados por tortura e morte de Gerô

31-Mar-2007 SUZANA BECKMAN
DA EQUIPE DE O IMPARCIAL


Oito policiais foram indiciados pela Delegacia deHomicídios no inquérito sobre a morte do compositor Jeremias Pereira da Silva, o “Gerô”. Ele torturado até a morte por policiais militares no último dia 22. O documento, com 242 páginas, pede a prisão preventiva de todos os acusados. No momento, apenas os soldados Expedito e Paulo, presos em flagrante, estão encarcerados.
Dos oito, cinco foram indiciados por prática de tortura seguida de morte: os soldados Expedito e Paulo, presos em flagrante no dia do crime, os soldados Alberto e Estrela e também o sargento Mendes, inicialmente arrolado apenas como testemunha, mas identificado posteriormente como o militar que teria batido com o porta-malas da viatura policial na cabeça do compositor.
O tenente Carlos Alessandro, o soldado Waldimar Carvalho e o Capitão Lenine fora indiciados pelo crime de omissão. O capitão foi indiciado depois de divulgada uma gravação telefônica do Centro Integrado de Operações de Segurança (Ciops). Na conversa, o capitão Lenine orientava os policiais a levarem Gerô para o hospital psiquiátrico Nina Rodrigues, informando que ele teria provocado os ferimentos em si mesmo ao se debater contra as grades da cela.
SIGILO
No documento, que tem 242 páginas, a delegada de Homicídios Edilúcia Trindade também solicita a quebra do sigilo telefônico do Ciops e do Capitão Lenine. Segundo a delegada, isso não foi feito antes devido à exigüidade do tempo para elaboração do inquérito.
Para Edilúcia, foi a descoberta das gravações que proporcionou o indiciamento de todos os envolvidos no crime. “Foi assim que conseguimos apurar a culpa de pessoas que a princípio não tinham envolvimento direto no crime, como o capitão Lenine. Tenho a convicção que fiz a coisa certa”, disse a delegada.
Outra diferença entre a conclusão do inquérito e o auto de prisão em flagrante lavrado no dia 22 é a mudança na qualificação do crime. Em vez de homicídio simples, os indiciados passarão a responder pelo crime de prática de tortura, crime não previsto no código de conduta militar. A mudança ocorreu depois de informações extra-oficiais do Instituto Médico Legal (IML), segundo as quais o compositor teria morrido em decorrência de choque povoliêmico provocado por instrumento de ação contundente (bastão).
A família de Gerô, por sua vez, tem evitado a exposição. Apenas três dias após a morte do cantor, a viúva e o filho de Gerô deixaram a casa onde moravam na Cidade Operária. “Eles estão se protegendo. O que a gente espera é que haja punição, é isso que a família quer”, desabafou Plácido Francisco, cunhado de Gerô.

LINHA DO TEMPO
22/03 – confundido com um assaltante, o compositor Geremias Pereira da Silva, o Gerô, é espancado e torturado até a morte por um grupo de policiais militares.

23/03 – sob protesto e forte comoção popular, Gerô é enterrado no cemitério do Turu. Na manifestação que precedeu o enterro, realizada na Praça Deodoro, familiares do compositor e militantes do movimento negro fazem manifestação contra o racismo. O governador Jackson Lago (PDT) anuncia “limpeza” na Polícia Militar;

26/03 – arrolado apenas como testemunha, o sargento Sérgio Mendes, da Polícia Militar, é indiciado no inquérito que apura a morte de Gerô. Ele teria batido a tampa do porta-malas da viatura na cabeça do compositor.

27/03 – Divulgadas imagens da tortura de Gerô, feitas por telefone celular. O cantor apareceria se debatendo contra as grades de uma cela no posto policial do terminal de Integração na Praia Grande. A missa de sétimo dia de Gerô, realizada no mesmo dia, contou também com um protesto em frente ao primeiro Distrito Policial da capital.

28/03 – Indiciado por omissão à prática de tortura, o capitão Lenine, que trabalhava no Ciops no dia do assassinato de Gerô, foi afastado do cargo.

29/03 – Uma gravação das operações do Ciops confirma que a Polícia Militar sabia da prisão e do espancamento do artista. Trata-se de uma conversa entre o capitão Lenine com os soldados Expedito e Paulo informando que haviam prendido Gerô e que ele estava ferido.

30/03 – A Delegacia de Homicídios conclui o inquérito sobre a morte de Gerô. Oito policiais são indiciados.

QUEM É QUEM
Capitão Lenine
– de serviço no Ciops no dia da morte de Gerô, ele teria orientado os soldados Expedito e Paulo a levar o cantor, já gravemente ferido, para o hospital psiquiátrico Nina Rodrigues. O capitão afirmou que não sabia que se tratava de Gerô. Indiciado por omissão à prática de tortura.

Tenente Carlos Alessandro – foi o oficial que esteve na 1ª Delegacia Distrital e no Terminal de Integração da Praia Grande, onde a vítima esteve primeiramente. Indiciado por omissão.

Sargento Sérgio Mendes – Ele teria sido visto por testemunhas batendo em Gerô junto com os soldados Paulo e Expedito, autuados em flagrante. Mendes nega qualquer agressão no crime, mas será indiciado junto com os colegas. Indiciado por prática de tortura.

Soldados Paulo, Expedito e Waldimar Carvalho
– chamados para atender a uma diligência no bairro do São Francisco, teriam encontrado Gerô e o confundido com um assaltante, passando a espanca-lo. O envolvimento de Waldimar foi confirmado posteriormente, na transcrição das gravações do CIOPS divulgadas na última quinta-feira.Indiciados por prática de tortura.

Soldados Alberto e Estrela
– estavam de serviço no terminal de integração da Praia Grande no dia da morte de Gerô. Indiciados por prática de tortura.

CPM não confirma saída de coronel

O Comando da Polícia Militar não confirmou a informação de que o comandante do Policiamento Metropolitano da capital (CPM) iria deixar o cargo. A informação, divulgada na manhã de ontem, também não foi confirmada pela secretária de segurança Eurídice Vidigal. A secretária permaneceu em reunião a portas fechadas durante toda a tarde e não foi encontrada pela equipe de O IMPARCIAL para comentar o assunto.
O coronel Uchoa, por sua vez, disse ter tomado conhecimento da situação apenas informalmente. O coronel disse ter que já havia tomado conhecimento da através de pessoas próximas a ele, mas apenas sob a forma de boatos. “Não recebi qualquer confirmação de que isso possa de fato acontecer. Gostaria até de saber, para poder me posicionar”, garantiu o coronel.
Para Uchoa, ainda que confirmada, a sua saída do CPM não pode ser relacionada aos índices de criminalidade ou às recentes ocorrências de crimes envolvendo policiais militares no estado. “Estou confiante no desenvolvimento do meu trabalho, já que tivemos redução nos índices de criminalidade”, afirmou. Segundo ele, as ocorrências envolvendo o compositor Gerô e o prefeito “Bertim” representam prejuízo para a imagem da corporação, mas são casos isolados. (SB)
Fonte: O imparcial

sexta-feira, 23 de março de 2007

PM's espancam até a morte o artista negro Gerô


Escrevo esse texto com um profundo sentimento de revolta, Meu raciocínio não está funcionando 100% muito menos minha veia crítica, mais que necessária num texto como esse; De maneira atroz e estúpida foi espancado até a morte o artista popular ‘Gêro’. Segundo a versão que circula pelos jornais de São Luís ele foi vítima de policiais militares que o teriam acusado de assalto a uma senhora na cabeceira da ponte do São Francisco. Os mesmos espancaram o artista popular praticamente até a morte. O delegado Castelo Branco presenciou o fato: “Vi e fiquei impressionado com as cenas de violência desnecessárias contra o rapaz. Pedi que parassem, mas não fui atendido. O rapaz estava desacordado, parecia morto, e mesmo assim era espancado pelos soldados. Ele estava algemado, com as mãos para trás. Gritei com eles e, nesse momento, chegou uma viatura da Polícia Civil e nós fizemos o transporte da vítima até o Socorrão. Foi uma cena lamentável”, afirmou o delegado Castelo Branco.

Eu estive com Gero há uma semana quando ele me pediu o e-mail do Prof Sérgio Amadeu na Praia Grande. Quando da estada do Prof em nossa cidade Gero fez um repente para mostrar a riqueza e a criatividade de nossa cultura popular. O Prof. Comprou o Cd de Gero e disse a ele que o colocaria na internet par que todo o mundo pudesse contemplar a sua arte. lamentável a sua perda.

Diante da onda de violência que toma conta do noticiário nacional, nós somos compelidos a levantar a discussão da segurança pública em nossa cidade. Primeiro somos informados de que policiais militares estão envolvidos no assassinato do prefeito de Presidente Vargas. Agora somos aterrorizados com a notícia de que Gerô foi brutalmente espancado por PMs ate a morte. Qual será a próxima notícia? Diante dos fatos não podemos ficar calados. Precisamos nos manifestar por uma segurança pública eficiente. Precisamos nos indignar contra policiais despreparados! Contudo, precisamos, também, nos indignar com a discriminação racial e a desigualdade social, que estão na raiz desse ato bárbaro! Quando outros Gerôs vão morrer para que a sociedade acorde?

terça-feira, 13 de março de 2007

Terror e Bárbarie no país do jeitinho: O lançamento da grife João Hélio MashWear

Car@s,
reproduzo aqui o texto do blog de Bruno Azevedo, linkado nesse blog, que trata da banalização da violência a partir do caso do menino João Hélio. É simplesmente absurdo o modo como a sociedade brasileira trata questões sérias. Enquanto formos asfixiados pelas personalismo e pelo jeitinho no trato de coisas que devem tratadas como PÚBLICAS, o nosso país continuará a ser um reles republiqueta do hemisfério sul. no mínimo a sociedade deveria estar discutindo temas como a violência, direitos da infância e leis para crimes bárbaros depois da sesão de horror a q fomos, e continuamos a ser, submetidos pelo noticiário. os intelectuais são os primeiros a se esconder por trás do personalismo, (inclusive os sociologos e antropologos que estudam a questão) enquanto isso a sociedade se mobiliza p votar no paredão do big bode, p ir à academia malhar, ou comprar a roupa da moda....

eis o texto:

menino joão hélio mashwear

Um dia desses tive que levar minha sogra no hospital. ela num se agüentava de nervosa, tremia, suava frio e falava nada com nada.
Isso tudo depois que um fulano ligou pra ela umas 3 da manhã, com um papo de que alguém tinha sido assaltado, seqüestrado ou coisa que o valha.

E lá vou eu levar a sogra pro hospital, com um só pensamento:
“porra, como deve ser legal passar esses trotes!”
Minha namorada diz que eu posso acabar matando alguém com isso, mas acho que vale à pena. Tipo, alguém poderia ter matado a minha sogra com aquilo!
Outro dia também joguei o carro pra cima de um cara. Sei lá, era um cara forte, saindo da academia, andando no meio da rua, indo pro carrão dele... eu achei que tinha direito, entendem. Puf! O cara deu um pulão, foi pra calçada, tirei um fino!
Ri muito, mas a karla ficou fula da vida, disse que não ia mais me deixar dirigir.
Ótimo, eu detesto mesmo dirigir mesmo
Passei o resto da noite tendo que controlar aquela excitação de menino, me perguntando porque porra eu não poderia rir da cara do desgraçado que eu joguei na calçada
Quando em vez esses pequenos surtos.
Vivo imaginando tragédias.
É como aquela cena do comecinho do akira, que um dos motoqueiros entra pela rua errada. O que vai pelo caminho certo só vê o clarão à esquerda, bum, mas não para.
Eu ando sempre assim, só que eu mesmo sou os dois motoqueiros.
E se esse ônibus me atropelasse?
E se o lula atirasse no bush?
E se esse prédio desabar, é melhor estar no último ou no primeiro andar?
Sempre que abro um jornal penso no caixão do Sarney, sempre. Um dia ainda vai rolar, bigode, e eu vou rir pra caralho!

É sempre uma cena paralela, quando olho pra frente novamente ela já passou.
tô pensando em fazer uma nova grife
até já existe
“menino joão hélio”
Ta todo dia na TV
Um carro.
A imagem fica clara e escura, à medida que o carro passa pelos postes
A câmera desce, num plano mais fechado
Casal feliz no volante, menininho dormindo no banco de trás. pára no sinal, chegam dois caras, tomam o carro de assalto
“por favor, não arrastem meu filho preso pelo cinto de segurança”
Os assaltantes chutam o palerma do carro, chutam a vagaba, atiram nela
Ligam o cassete, toca um rock da estação, tipo pity, cheio de atitude
O malaco no banco do carona faz um cafuné no menininho, ainda adormecido
A câmera fecha nele, dormindo, calmo, se livrando dos pais
Entra a chamada:
“menino joão hélio, até os malvados se derretem”

Um dia desses vi no jornal que um grupo de intelectuais estava organizando um protesto por causa do menino joão hélio
Na capa da veja tinha uma propaganda do menino joão hélio
“mais uma vez não vamos fazer nada?”
Hehehe
Na novela também teve uma propaganda, eu vi

É que nem a camisa do câncer. Que já é um alvo
Além da menino joão hélio, devia também ter a camiseta da bala perdida, assim:

THAT WAY!







...
You shot me down,
bang
bang
I hit the ground
bang
bang

hihihihih

Fonte: bazevedo.blogspot.com

"

terça-feira, 6 de março de 2007

Baudrillard e sua morte simbólica.

Morreu o sociólogo J. Baudrillard com 77 anos de idade em Paris. Autor de feroz críticas à sociedade do consumo, declarou em 1991 que a guerra do golfo não existiu e que os ataques às torres gemeas em NY foi um ato triunfante do mundo globalizado contra si mesmo. Autor original, irriquieto, irrevenrente, ele era capaz de misturar teoria sociologica, filosofia, literatura, linguistica, psicanálise e semiologia em texto que, como ele proprio, classifica, beiravam a violência teórica pura, com momentos poéticos e belos, apesar de niilistas em algumas colocações. Segue abaixo um texto de J. Machado comentando as análises de Baudrillard sobre o 11 de setembro.


O 11 de Setembro não aconteceu


Juremir Machado da Silva1

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“Ela estava procurando sair da dor, como se procurasse sair de uma realidade outra que durara sua vida até então”.

Clarice Lispector

É provável que este texto já tenha sido escrito. Se não o foi, deveria ter sido. Por Jean Baudrillard. Ou por uma personagem de Clarice Lispector. Ambos tratam da virtualidade do real. Deixemos o caso, no entanto, ao profissional do desvelamento do simulacro. Afinal, o pensador francês escreveu um dia que “a Guerra do Golfo não aconteceu”.2 Referia-se ao confronto entre Estados Unidos e Iraque em 1991. Tudo o que se dá por excesso, desaparece por deficiência de conseqüências em relação às expectativas. O conflito de 1991 não aconteceu como guerra convencional, situação em que países se enfrentam e morrem combatentes dos dois lados numa espécie de jogo sem cartas marcadas. Na “Guerra do Golfo” os norte-americanos já praticavam o “risco zero” e não pretendiam perder soldados na luta. Só o adversário tinha encontro com a morte numa guerra sem trincheiras, mas muito parecida com um videogame impiedoso. Mortal combate com defecções num só lado.

O 11 de Setembro não aconteceu da mesma forma que o ano 2000 e o bug do milênio também não aconteceram. Apesar de previsões e de expectativas, todas vertiginosamente apocalípticas, o mundo permaneceu igual. Depois dos terríveis atentados ao WTC, a imprensa mundial declarou que o mundo nunca mais seria o mesmo. Errou. Apenas de uma maneira bastante superficial o mundo alterou-se. Há mais dificuldades para entrar nos Estados Unidos e mais dispositivos de segurança nos aeroportos. Como sempre, o choque provocou uma reação com tendência ao definitivo. Depois, também como sempre, a rotina impôs-se cruelmente e tudo voltou à quase normalidade, ou seja, ao mesmo.

Baudrillard chegou a pensar que o 11 de Setembro significava o fim da “greve dos acontecimentos”, realizando pelo negativo um certo retorno do positivo, a retomada da História. “O mais ínfimo detalhe poderia ter determinado o fracasso de uma ação como essa e, sem dúvida, pela mesma ínfima razão - pois o destino é sutil - mais de um acontecimento excepcional terá deixado de acontecer. Mas, quando acontece, provoca como que um efeito de sucção, de bomba de absorção que asfixia todos os acontecimentos futuros. De maneira que apaga não somente tudo o que lhe precedeu, mas também tudo o que virá depois dele”.3

Ao contrário do que se costuma afirmar, com simplismo disfarçado de profundidade intelectual, Baudrillard não é um autor pessimista. Na pior das hipóteses, a mais inquietante e bela, é um pensador irônico e devorado pelo culto da forma. Nesse sentido, o 11 de Setembro poderia ter representado um bem pela magia do pior: o fim do fim da história. A mídia, embora sedenta de fatos e ansiosa por protagonizar, ou testemunhar, o grande acontecimento, limitou-se a exagerar as conseqüências de um fato de causas exageradas. A ironia de Baudrillard eleva e reduz a mídia a uma situação incontornável. Se, por um lado, ela quer tomar-se pelo acontecimento, por outro lado, condenada ao fracasso, está condenada a cobri-lo ou a descobri-lo.

Gilles Lipovetsky já havia detectado essa contradição com muito mais tranqüilidade: “O culpado já foi em tudo designado: temos um novo diabo responsável por todos os nossos males: a mídia”.4 Mas esse demônio, segundo Lipovetsky, é bem menos poderoso do que imaginam os seus detratores. Ou, na percepção de Baudrillard, bem menos poderoso do que gostariam os seus atores. O 11 de Setembro não encontra as suas causas na mídia nem as suas conseqüências corretamente previstas pela mídia. Se os acontecimentos voltaram ao palco, como imagina Baudrillard, as câmaras, mais preocupadas com o futuro, flagraram o presente com lentes distorcidas pela ânsia de devir.

O 11 de Setembro que a mídia viu aconteceu antes: no cinema de ficção científica (Nova York sitiada). O 11 de setembro que a mídia não viu acontecerá depois, enfim reconstruído pelo cinema para que coincida com as conseqüências projetadas pelo imaginário jornalístico. O 11 de Setembro realmente acontecido é grotesco demais, inconseqüente (sem as conseqüências) de menos, factual em excesso para ser enquadrado como uma notícia ou considerado como um evento histórico específico. A mídia precisa inseri-lo numa das suas séries. De alguma maneira, não muito distante do senso comum, a mídia é positivista e teleológica: cada fato importante deve encerrar uma etapa do desenvolvimento social e inaugurar outra.

A mídia admira tudo o que põe fim, o que finaliza, termina, extermina, elimina, inaugura, abre, começa, salta sobre os fatos. Talvez, de algum modo, antes de Pierre Lévy, os jornalistas tenham aprendido uma lição que o guru da cibercultura, bebendo na semiótica tradicional, só ensinaria recentemente: “No centro da significação acha-se a operação de substituição”.5 No caso da mídia, numa operação bem menos lógica, pretende-se substituir o acontecimento pelo imaginário do acontecimento ou o fato pelo que deveriam ser as conseqüências do fato.

O problema do 11 de Setembro, portanto, extrapola o horror do 11 de Setembro e entranha-se no vazio das conseqüências rapidamente previstas e lentamente refutadas. O 11 de Setembro de 2001, com a explosão das torres do WTC, é irmão gêmeo da queda do muro de Berlim. Ambos não aconteceram como visto e “pré-visto” pela mídia. Nos dois casos, complementares e antagônicos, a mídia anunciou que o mundo nunca mais seria o mesmo. E ele não o foi. Mas não como a mídia imaginava. O 11 de novembro de 1989 foi apresentado como a porta redentora do futuro radioso de uma humanidade enfim libertada. O 11 de Setembro de 2001 foi narrado como uma porta letal pela qual a humanidade entraria para sempre na era do medo e do terror.

Nos dois casos, repita-se, a mídia foi apenas porta-voz. De si mesma. Lipovetsky relativiza: “De um certo ponto de vista a mídia aparece como instrumento de um sensacionalismo ‘irracional’ que exagera os novos perigos. De outro ponto de vista, permite aos indivíduos a reação, o protesto, em outras palavras, de pôr-se como atores num mundo cujos grandes interesses lhes escapam”.6 Absolvida de sua responsabilidade sobre as causas, resta-lhe explicar-se sobre as conseqüências anunciadas e não vindas. Note-se que esse não vir, sob muitos aspectos saudável, dá-se por excesso de antecipação: o mundo não se tornará pior por já estar “na pior”. Ele ainda será o mesmo por ser um feixe de contradições com espaço suficiente para o medo e para o terror. Ao mesmo tempo, como historicamente tem acontecido, construirá o seu futuro nas margens do esquecimento.

A questão, no sentido irônico das perguntas de Baudrillard, teria de ser agora: quando e como, de fato, o mundo muda? Talvez Baudrillard já tenha dado a resposta: “Nem política nem economicamente a eliminação das torres põe em xeque o sistema mundial. É outra coisa que está em jogo: o eletrochoque da agressão, a insolência da sua execução e, por conseqüência, a perda de crédito, a falência da imagem. Pois o sistema só pode funcionar se consegue ser o equivalente da sua própria imagem, se pode refletir-se como as duas torres na sua condição de gêmeas, encontrar seu equivalente numa referência ideal. É isso que torna o sistema invulnerável - e é essa equivalência que foi quebrada. É nesse sentido que, mesmo sendo tão inapreensível quanto o terrorismo, ele foi, contudo, atingido no coração”.7 Com que conseqüências?

O sistema pode funcionar com marcapasso ou assistido por aparelhos. O 11 de Setembro não aconteceu por excesso de previsão quanto ao devir e por deficiência de imagens sobre o seu “fazer-vir”. Ou, ao inverso, o 11 de Setembro não aconteceu por deficiência de previsões quanto à sua emergência e por excesso de imagens da sua explosão. Como acontecimento, na sua escala, pretende-se único, mas essa originalidade está atrelada mais ao simbólico do que ao concreto. O coração da América foi atingido. Outros corações, porém, já tinham sido explodidos. E outros impérios humilhados. Nesse sentido, a história repete-se como tragédia, ao mesmo tempo, certamente, única e sempre a mesma. A banalização do 11 de Setembro não ocorrerá por contágio de fatos, nem por espiral virótica de acontecimentos semelhantes nas artérias da potência mundial, mas por multiplicação das imagens. Baudrillard é refém, como em Matrix, do sistema analítico que inventou.

Assim, entre as vítimas, deve-se acrescentar Jean Baudrillard. Vítima por excesso de percepção, como Guy Débord a respeito da “sociedade do espetáculo”, e de desvelamento. Baudrillard concebeu uma “estratégia fatal” capaz de devorá-lo junto com seu objeto: o 11 de Setembro não aconteceu por excesso de realização. É o próprio Baudrillard, em seu texto sobre a guerra que derrubou Saddam Hussein, quem diz: “Mas a realidade integral do poder é também o seu fim”.8 Da mesma forma, a realidade integral da análise é também o seu fim. Se o sistema escapa pela intervenção tecnológica que o mantém virtualmente em ação, a crítica salva-se pela ironia. Quanto à mídia, encurralada em seu imaginário artificial da verdade, resta-lhe o esquecimento, a falha da memória como regeneração.

Mais do que qualquer outro sistema, por sua própria “natureza”, a mídia funciona por excesso: a profusão do novo empurra o velho para a irrealidade do esquecimento. Se a ironia serve de saída de emergência para o analista, desde que praticada com audácia e originalidade, ou com o desprendimento de um homem-bomba, disposto a morrer pela sua causa, para a mídia só resta a possibilidade de voltar a “cobrir” para “descobrir”. Na atualidade, empurrada pelos ventos delirantes do pós-tudo, ela tenta tomar o lugar do historiador, ou do vidente, e limita-se a praticar o comentário como encobrimento. Não custa lembrar que cobrir, em jornalismo, significa “descobrir” ou “desencobrir”, desvelar, dar à luz, “fazer-vir”, revelar, fazer emergir.9

O 11 de Setembro de 2001 aconteceu como fato. Isso deveria ser suficiente para que se impusesse como acontecimento. Este, contudo, exige uma reconstrução “imaginal” complexa e derivada do trabalho conjunto dos diversos protagonistas em ação num momento histórico determinado. A mídia, como primeiro ator em condições de reconstruir o fato como acontecimento, pretendeu, desde o princípio, dar-lhe o caráter de divisor de águas e de marco referencial de uma nova era. Mais do que isso, tentou atribuir-lhe o aspecto definitivo de maior divisor comum (“o mundo nunca mais será o mesmo”) planetário.

Como tudo o que a mídia diz, impulsionada por seus próprios catalisadores simbólicos, só encontra refutação ou confirmação nela mesma, a cada aniversário do 11 de Setembro a imprensa universal confirmará que o mundo nunca mais foi o mesmo. Assim, como de costume, o que aconteceu como fato se tornará acontecimento por ter sido narrado como tal e confirmado em seu estatuto, mesmo que fatos insistam em mostrar outras realidades e versões. Noutra leitura, marginal e chocante, o 11 de Setembro de 2001 aparecerá como a simples confirmação de que o mundo continua o mesmo, “mais mesmo do que nunca”, caso se admita esse abuso de linguagem, um mundo em que, desde sempre, para usar a insuperável expressão de Hobbes, “o homem é o lobo do homem”. Os contos de fada, porém, são eternos.


NOTAS

1 Pesquisador do CNPq e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS. Autor de As Tecnologias do imaginário (Porto Alegre, Sulina, 2003).

2 BAUDRILLARD, J. La guerre du Golfe n'a pas eu lieu. Paris, Galillée, 1991.

3 BAUDRILLARD, J. "Réquiem para as Twin Towers", in Power inferno. Porto Alegre: Sulina, 2003, p. 20-21.

4 LIPOVETSKY, G. Métamorphoses de la culture libérale - éthique, médias, entreprise. Montreal:: Liber, 2002, p. 90 [fragmento traduzido por JMS].

5 LEVY, P. O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 1996, p. 84.

6 LIPOVETSKY, G. Métamorphoses de la culture libérale - éthique, médias, entreprise. Montreal: Liber, 2002, p. 100 [fragmento traduzido por JMS].

7 BAUDRILLARD, J. "Hipóteses sobre o terrorismo", in Power inferno. Porto Alegre: Sulina, 2003, p. 48.

8 BAUDRILLARD, J. "A Máscara da guerra", in Power inferno. Porto Alegre: Sulina, 2003, p. 474.

9 Cf. a esse respeito SILVA, J.M. As tecnologias


REFERÊNCIAS

BAUDRILLARD, Jean. Power inferno. Porto Alegre: Sulina, 2003.

______. La guerre du Golfe n’a pas eu lieu. Paris: Galillée, 1991.

DEBORD, Guy. La Société du Spectacle. Paris: Gallimard, 1967.

LEVY, Pierre. O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.

LIPOVETSKY, Gilles. Métamorphoses de la culture libérale - éthique, médias, entreprise. Montreal: Liber, 2002.

SILVA, Juremir Machado da. As tecnologias do imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2003.