quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

O povo contra Cicarelli

"O povo contra Cicarelli
por: LILIANE PELEGRINI

Impossível não se sentir indignado e ultrajado diante da decisão de um desembargador em abolir do ciberespaço brasileiro um dos portais mais populares da Internet em função do interesse particular de apenas duas pessoas.

E foi justamente com indignação que os internautas receberam a notícia de que o You-Tube, portal de compartilhamento de vídeos, seria bloqueado no Brasil por conta de uma ação judicial que Renato Malzoni Filho encaminhou à Justiça, pedindo o bloqueio da página para evitar que o vídeo em que aparece com sua namorada, a modelo Daniella Cicarelli, em cenas ?calientes? numa praia pública da Espanha continuasse acessível na web (note um fato estranho: por que uma ação que envolve os direitos de imagem de duas pessoas é assinada, apenas, por uma das partes?).

Desde sexta-feira, os usuários dos provedores que usam a tecnologia da Brasil Telecom não conseguiam nem chegar à homepage do YouTube, muito menos ao flagrante dado em Cicarelli e Malzoni.

Na segunda, foi a vez da Telefônica acatar a decisão do desembargador Ênio Santarelli Zuliani, do Tribunal de Justiça de São Paulo, e limar o portal de vídeos.

Até que a Justiça finalmente caísse na real e revogasse a validade da liminar ? o que aconteceu ontem, por volta das 13h ?, cerca de cinco milhões de internautas, associados a diversos provedores de Internet, não puderam acessar ao banco de dados do YouTube.

A atitude leva o Brasil ? um país que se vangloria de congregar as mais diversas raças e os mais diversos pensamentos, ou seja, se orgulha de ser uma nação democrática ? a se igualar a outros territórios nos quais a censura e a postura ditatorial, infelizmente, parecem ser bastante apreciáveis.

Os protestos contra tal proibição esdrúxula, porém, não pararam com o passo atrás do judiciário paulistano. No Orkut, outro grande hit da rede, já foram criadas quase 50 comunidades que reúnem milhares e milhares de internautas completamente enfurecidos com a polêmica que definem como censura.

?Alguém se esfrega em público (sem saber que motel existe pra isso) e nós pagamos o pato?, protesta, em sua página inicial, a comunidade ?Sem YouTube Graças a Cicarelli?, de propriedade de um internauta chamado Otávio (e que, para desafiar, ainda divulgou um link para quem quiser ver e/ou rever a ?produção erótica? da modelo).

?Vou fazer macumba para ela ficar pobre e feia?, ironiza, na mesma comunidade, o internauta William, que inclusive reclama que, sem YouTube, ninguém mais vai conseguir ver o vídeo independente da sua banda.

Também no Orkut, na comunidade ?Cicarelli, me devolve meu Youtube?, um grupo lançou uma idéia: ?A gente não pode processar a Cicarelli por atentado ao pudor? Afinal ela estava num local público fazendo sexo?, questionou a internauta Bruna, fazendo com que uma série de outros usuários de Internet gostassem da idéia ? mais de 4.000 pessoas se dispuseram a colocar seus nomes em um abaixoassinado para abrir tal processo.

Outro grupo de internautas fez questão de divulgar e-mails e telefones da MTV, emissora onde Daniella Cicarelli comanda o programa ?Beija Sapo?, para que todos possam entrar em contato para ?pedir a cabeça? da apresentadora.

?O próximo passo é ela perder o emprego. Não pode uma mulher dessas ainda ficar colocando a cara na televisão. Vamos para a porta da MTV para protestar!?, convoca a internauta Ana Paula.

Procurada pela reportagem, a assessoria da MTV informou que a modelo e apresentadora não está atendendo ninguém para falar sobre o assunto.

Para Eduardo de Jesus, professor no curso de Comunicação Social da PUC Minas, alguma medida tem que ser tomada imediatamente para impedir que novas censuras como essa aconteçam.

?A primeira coisa que fiz quando soube da proibição foi ver se o meu YouTube estava funcionando direitinho. E graças a Deus estava! Não consigo nem pensar que, em pleno século XXI, a censura volte a reinar. Francamente, fazer esse barulho todo por causa de um filmezinho de casal namorando na praia é algo que eu não entendo. Vai saber o que se passa na cabeça dessas celebridades. É tudo uma rede de exposições. Alguma coisa tem que ser feita. Não podemos retroceder assim?, repudia o professor, que usa o portal, inclusive, como ferramenta de trabalho.

?Leciono duas disciplinas relacionadas com cinema e vídeo, e o YouTube serve como pesquisa, para conhecer novos trabalhos, ver vídeos antigos. Eu nunca vi esse vídeo da Cicarelli. O que me interessa lá são os clipes, os programas, as criações bacanas que se tornaram acessíveis ali?.

Opinião legal
Apesar de sexo em local público ser considerado, realmente, atentado ao pudor, os diletantes do YouTube que pensaram em processar Daniella Cicarelli não encontram embasamento nas leis brasileiras.

?O fato aconteceu na Espanha (onde atentado ao pudor não consta mais na constituição federal), portanto, não temos territorialidade para processá-la por atentado ao pudor. As leis que vigoram aqui não tem o menor valor para o que acontece lá... E mesmo que tivesse acontecido aqui o episódio, não poderia uma pessoa ou um grupo entrar com esse tipo de ação. Atentado ao pudor é um crime contra a sociedade, logo, apenas o Ministério Público poderia levar o caso à Justiça?, explica o advogado André de Almeida, coordenador do comitê jurídico da Câmara E-Net, uma das mais importantes entidades não-governamentais relacionadas à vida, ao comportamento e ao consumo virtual.

Da mesma forma que os internautas não podem usar o mesmo ?veneno? para parar os disparates de Daniella Cicarelli e seu namorado, a decisão da Justiça paulistana em retirar do ar o YouTube, avalia Almeida, não é correta.

?Na minha opinião, censurar um site acessado por milhões de pessoas por causa de um vídeo capturado em local público é errado, e, além disso, é desproporcional, já que vai influir no direito à informação de muitos em função à imagem de apenas duas pessoas. Pode-se até discutir possíveis danos ao casal, mas não dessa forma?, enfatiza o advogado da Câmara E-Net, acrescentando que os prejuízos de uma atitude totalmente subjetiva e de responsabilidade de um único juiz recaem muito mais sobre os próprios internautas, que deixam de obter conteúdo que pode lhes ser importante, e, claro, para operadoras como a Brasil Telecom e a Telefônica, que podem perder clientes quando deixam de proporcionar acesso aos sites mais populares, como é justamente o YouTube.

A Associação Brasileira de Provedores de Internet (Abranet) já se manifestou e disse que, se o desembargador Ênio Santarelli Zuliani realmente queria que apenas o vídeo de Cicarelli fosse bloqueado (o que foi informado em nota oficial ontem, na hora que o YouTube foi desbloqueado), a ordem foi mal empregada.

?Bloquear um filminho de dois minutos e pouco que está no contexto de uma máquina que tem gigabytes de informações é absolutamente impossível?, explica Antônio Tavares, presidente da Abranet.

?Ao bloquear o número do IP, você bloqueia todo o conteúdo que vem dessa máquina?, acrescenta ele, assinalando, assim, a grande impossibilidade de se controlar um website cujo conteúdo, em grande parte, é definido a partir dos uploads feitos pelos próprios internautas ? dados do próprio YouTube indicam que 65 mil vídeos são carregados em sua página todos os dias; o site informa, ainda, que, por várias vezes, retirou o vídeo de Cicarelli do ar, mas que, vira e mexe, usuários o recolocam na web.

E não é só no YouTube que as peripécias amorosas da modelo e de seu namorado continuam a ser disseminadas como uma epidemia. O filmezinho ?caliente? continua sendo facilmente encontrados em sites como o PornoTube.com, DailyMotion.com, BoingBoing.Net, Porkolt.com e até mesmo na página de vídeos do Google, empresa proprietária do YouTube.

Ou seja, é completamente impossível que Daniella Cicarelli e Renato Malzoni Filho consigam apagar da Internet suas intimidades. A não ser, claro, que resolvam se voltar contra todo o mundo. Mas é bom que eles saibam: agora, é todo o mundo que se voltou contra os dois."

fonte: Otempo.com

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