Com o intuito de tentar entender o inexplicável um setor da juventude petista de São Luís se reuniu ontem para discutir e avaliar o encontro de tática eleitoral realizado no dia 27 último. Convidamos para tanto o especialista em História do Maranhão e Mestre em Ciências Sociais, Robison Pereira, filiado ao partido desde 1986. Com conhecimento de causa em relação à 'lógica' do modus operandi político das forças que compõe o PT maranhense e, no vazio de argumentos políticos para justificar a tese vencedora do encontro, Robison recorre à lógica das relações pessoais na constituição das relações políticos do partido. Segue um artigo do intelectual que serviu de base às discussõs realizadas com a Juventude petista.
"No dia 10 de outubro de 2006, ao responder à pergunta de uma jornalista sobre o PT na Bahia e no Piauí ter vencido caciques políticos do porte de Antonio Carlos Magalhães e Mão Santa e sobre se haveria alguma indicação de que o Maranhão poderia vislumbrar caminho semelhante nos próximos anos, disse o seguinte: “Nos dois casos, o PT teve capacidade de unificar internamente e, a partir de uma discussão programática, conquistou apoio de outros setores da sociedade, inclusive de outros partidos de oposição. No Maranhão, o PT vem se apequenando nas disputas internas, sem um projeto para o Maranhão e sem unidade interna, preferindo ser a ilha petista no Nordeste. Por conseguinte, deve coadjuvar ainda por um bom tempo”.
Passados 18 meses da referida análise, observa-se o aprofundamento dos conflitos intrapartido, em que cada facção parece ter como objeto-fim, que não a organização e o fortalecimento político do PT, mas a morte dos líderes momentaneamente adversários, numa luta exacerbadamente fratricida. Com efeito, o PT desvela seu caráter ambivalente – na perspectiva de emancipação da participação –, mas também tem um caráter conservador, posto que é dirigido por pequenos grupos oligárquicos.
Como conseqüência, o partido tem dificuldade de ouvir sistematicamente a sua real base de sustentação; dificuldade de conduzir processos políticos complexos que se impõem no jogo político contemporâneo. Ou seja, há um grande problema de direção partidária, de ausência de líder(es) capaz(es) de entender e conduzir o desejo de sua base e das massas em relação a um projeto de fato para a cidade de São Luís.
De ausência em ausência, a tensa disputa congressual, no dia 27 de abril, foi recheada de falta de argumentos políticos, por exemplo, pelo campo majoritário – “São Luís que queremos” e “Esquerda unida muda São Luís” com 108 delegados –, que justificassem a coligação com o PCdoB. Perceberam-se devaneios de futuros programas de governo, em detrimento do debate político; críticas aos governistas estaduais, entre eles os petistas; e a subjacente negação de que o futuro candidato a prefeito do PCdoB não faz parte do governo. Pasmem, mas houve até quem defendesse a coligação com os comunistas, alegando proteger o candidato petista que investia a favor da candidatura própria. Ou seja, um palco onde a simulação e o simulacro foram erigidos como peça fundamental.
Por outro lado, os adeptos da candidatura própria – “ Ousar lutar, ousar vencer Bira Prefeito” e 97 delegados –, após a derrota do primeiro e principal holding, quiseram emplacar uma aliança preferencial com o PDT, o que é normal, posto que a grande maioria de seus dirigentes também compõe o governo estadual capitaneado pelo PDT. Ocorre que a estratégia para atingir tal objetivo também foi eivada de um moralismo que não cabe mais nos discursos das lideranças petistas, ou seja, o de que o candidato a prefeito do PT, leia-se o camarada do PCdoB, teria baixado na arena política maranhense de pára-quedas e sido eleito com apoio financeiro da estrutura do ex-governo estadual. O argumento é inócuo e despropositado – pelo menos naquele momento -, porque o deputado do PCdoB começou a vida política no PT de São Luís e, quando retornou à vida partidária, quis voltar ao PT e não foi aceito. O alvo penso, naquele momento, devia ser porque a outra banda do PT mudou de posição em relação ao PCdoB, de 2002 para 2008. Uma facção petista (“Esquerda unida muda São Luís”) – que hoje fez defesa da coligação PT/PCdoB – pediu, em 2002, sob recurso ao Diretório Nacional do PT, a não-aliança com o PCdoB. Quem mudou o PCdoB Ou PT? Porque mudou? Isto é, sobrou argumento denuncista e faltou argumento político.
Se não há debate político, impõem-nos suposições de ordem sociológica como possíveis argumentos – amizade, emoção, etc. É pensamento de boa parcela dos sociólogos: para se ter uma amizade é preciso existir confiança. Mas, para se estar aberto a partilhar com um amigo e a confiar a ele seus pensamentos ou informações íntimas, é preciso haver reciprocidade. Para tanto, não é preciso ter laço de sangue, porque a relação é opcional, não é fundamentada em nenhum contrato jurídico ou político. Não há reciprocidade entre os líderes e as respectivas facções petistas; portanto, não existe confiança entre eles, o que é bastante grave em uma instituição política, por mais partido que ela seja.
Em um momento histórico em que há em curso um processo de individualização das relações sociais e das formas de agir e pensar individuais, o sentido de muitos é de desconforto e inquietação sobre as conseqüências pessoais e fracionais de tal caminho. Já não se aceita mais as antigas regras relacionais da cultura petista vividas até bem pouco tempo. Elas vêm se tornando incômodas e, para muitos, olhadas até com certo menosprezo, como incultas ou incivilizadas, mas também não há um sentimento de adequação aos rumos individualistas que tendencialmente vêm tomando conta das relações sociais e individuais no partido dos trabalhadores, especialmente no Maranhão, onde a emoção está à flor da pele, e a razão, no bico dos sapatos.
Como resultado, por meio da intolerância e mesmo de ausência de uma cultura de alteridade do PT – o que não é característica do PT em outros Estados –, está a prevalência de uma descaracterização do PT. Apenas isso pode ser considerado para entender como a instituição PT de São Luís abre mão de todo um patrimônio e de um raro capital político para não ser protagonista de um projeto de poder na Ilha e no Estado, pela via centro-esquerda. Ou seja, a amizade e a emoção são importantes em todas as dimensões da vida, mas não podem se sobrepor aos desejos e sonhos de uma coletividade jurídica/política, como é o PT e, sobretudo, à vontade de cerca de 10% dos ludovicenses que vêem em Bira e no PT uma nova e real opção de poder. A irracionalidade individual e de facções é uma característica típica do primitivismo de natureza política, cuja conseqüência é ceder à influência de impulsos obscuros, como parece indicar o tabuleiro político do PT em São Luís, com sua sucessão de jogos ocultos e uma atípica opção por ser coadjuvante."
Esse artigo é base de uma conversa com setor da juventude petista.
Robison Pereira é filiado ao PT desde 1986, sociólogo, especialista em história do Maranhão e mestre em ciências sociais.
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