Por Bruno Rogens
Mais uma
vez São Luís dá mostras de que anda na contramão do que acontece
no Brasil dos últimos anos. A capital do Estado do Maranhão se
tornou uma cidade com mais de 1 milhão de habitantes mas ainda está
longe de poder ser considerada uma metrópole. Os diversos problemas
estruturais da cidade vêm se acumulando e ameaçam deixar a cidade
em colapso urbano em plena nas comemorações dos 400 anos de
fundação. Só para citar é preciso dizer que a cidade ainda sofre
um crônico problema de abastecimento de água potável à seus
cidadãos. É importante deixar claro que os dois maiores
responsáveis pelo acúmulo de problemas da cidade chamam-se Tadeu
Palácio (ex-PDT, hoje PP) e João Castelo (PSDB), respectivamente
ex-prefeito e prefeito da cidade, além do grupo Sarney que “comanda”
o Estado há quase meio século. Tadeu Palácio governou a cidade por
8 anos quando os problemas estruturais de trânsito por exemplo
começavam à incomodar e poderiam ter sido amenizados ou resolvidos.
João Castelo está no último ano do mandato e simplesmente não fez
nada de significativo nestes 3 anos de (des)governo. Agora às
vésperas das eleições tenta maquiar os problemas estruturais de
trânsito, por exemplo, aplicando uma nova camada asfáltica e
pintando meios-fios das principais avenidas. Como se não bastasse,
comete o impropério de prometer até outubro a entrega de linhas do
chamado Veículo leve sobre trilhos-VLT ligando o Centro ao São
Cristóvão. Haja cara de pau.
Para
piorar a lambança, agora entra em cena a teatral e esperada greve
dos motoristas e cobradores de ônibus, em um enredo que está
ficando enfadonho, se não fosse trágico, para os usuários do
transporte coletivo da cidade, na sua grande maioria humildes
trabalhadores e trabalhadoras. O enredo é conhecido. A categoria dos
rodoviários faz uma greve de advertência e reivindica melhorias
salariais. Os donos de empresas de transporte coletivo respondem
dizendo que não podem dar aumento salarial devido ao saturamento da
folha de gastos das empresas e pela iminência da falência do
sistema de transporte. O medo e a chantagem pairam na cabeça dos
acomodados usuários de transporte coletivo da cidade com medo de não
ir ao trabalho e ter o salário descontado ou mesmo perder o emprego.
A justiça do trabalho acompanha tudo e se arvora árbitra legítima
do litígio. O prefeito João Castelo observa tudo do alto das
confortáveis sala do palácio de La Ravardiere. Motoristas e
cobradores decretam a greve. A justiça decreta a circulação de uma
percentagem de coletivos para evitar o caos generalizado. Os dias
passam. O impasse se acirra, a situação nas ruas fica mais tensa. A
polícia, como sempre, é eficiente e ágil quando se trata de
defender a propriedade dos poderosos. E a mágica e fantástica
solução encontrada por todos esses agentes em disputa é: aumentar
a passagem dos coletivos na cidade.
O
conluio entre Prefeitura, Justiça do Trabalho, motoristas e
cobradores, e empresários dos transportes só não tem a
participação do povo trabalhador e usuário de transporte coletivo
da cidade de São Luís, que nunca é ouvido nas mesas de negociação
sobre as condições do seu constitucional direito de ir em vir com
dignidade. Aliás, a resposta que os usuários de transporte vêm
dando ao caos instalado no sistema de transporte urbano é mais caos,
vide as recentes manifestações nos terminais de integração da
Cohama, Praia Grande e São Cristóvão. E o resultado é que o
usuário de transporte coletivo em São Luís sai duplamente punido:
primeira pela vergonhosa qualidade do sistema de transporte público
da capital e segundo pelo aumento da passagem que visa garantir: mais
impostos para a prefeitura, mais salário para os motoristas e
cobradores e mais lucro para os empresários do transporte. E assim
seguem felizes políticos, financiadores de campanha e burocratas do
judiciário, enquanto a população segue oprimida por um sistema
vergonhoso de transporte.
A falta
de espírito público e a inanição da sociedade civil em
reivindicar melhorias do sistema de transporte público da capital é
uma especificidade maranhense. Não que não existam espertalhões e
povo apático em outras cidades do Brasil mas aqui essa apatia e
falta de compreensão do seu papel como cidadão assumem contornos
singulares, fruto dos anos de uma cultura política predatória e
patrimonial, sobretudo da classe política que é muito competente em
desviar milhões para seus negócios pessoais e incompetentes em
prover, por exemplo, aulas regulares para as crianças de São Luís.
Em outras paragens temos uma situação, que não é a ideal, mas que
revela avanços do ponto de vista da gestão do sistema de transporte
público. Vejamos o caso de Fortaleza.
Em
Fortaleza as concessões estabelecem um sistema de remuneração das
empresas por quilometro rodado e não por passageiro transportado.
Esse sistema permite que as tarifas da cidade sejam uma das mais
baratas do país considerando as distâncias percorridas pelas linhas
de ônibus. A passagem custa R$ 2,00. A meia passagem de R$ 1,00 é
ilimitada a qualquer estudante com carteira emitida pelas entidades
estudantis com base no cadastro das escolas. Nas escolas públicas e
nos casos de alunos do PROUNI a prefeitura paga a confecção das
carteiras e os alunos à recebem gratuitamente. Aos domingos há a
tarifa social de R$1,40 para todos com a meia passagem de R$ 0,70
para estudantes com a carteira. Existe também a hora social em que,
fora dos horários de pico o usuário do transporte coletivo paga
somente R$1,80 e a meia à R$0,90. A frota dos ônibus de Fortaleza
tem média de menos de 5 anos e a prefeitura está providenciando
corredores exclusivos nas principais avenidas da cidade. Além disso
a cidade ainda contará em breve o Veículo leve sobre trilho, obra
que já está em andamento. Em Fortaleza Liziane Lins (PT) está
encerrando o seu segundo mandato e à se contar pelas políticas de
transporte público implantadas acredito que o povo de Fortaleza vai
querer continuar nesse rumo.
Enquanto
o cenário eleitoral que se avizinha em São Luís dá sinais de que
o eleitor não terá muitas boas escolhas a fazer nas eleições de
outubro a cidade praticamente agoniza com problemas estruturais em
quase todas as áreas. Situação agravada pelo explícito e
asqueroso conluio entre detentores de mandatos públicos, agentes do
judiciário que sempre julgam em favor dos poderosos, empresários do
setor de transporte, e a mesquinhez dos interesses corporativistas da
categoria dos trabalhadores em transporte que não exitam em punir a
população na busca dos seus, legítimos, diga-se de passagem,
direito à melhor remuneração. Nesse enrendo sombrio que precede as
comemorações pelos tão propalados 400 anos da cidade só quem se
dá mal é o povo.
Bruno
Rogens
Cientista
Social, professor de Sociologia e Ciência Política
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