Vegetação exuberante no Cajueiro |
A criação Reserva Extrativista de Tauá-Mirim (ou Resex de Tauá-Mirim) é uma reivindicação antiga de moradores de povoados localizados na porção sudoeste do município de São Luís, porém, seu processo de implantação está parado na Casa Civil do governo federal desde 2007 e encontra forte oposição por parte do governo estadual do Maranhão e de gran
A área proposta para a Reserva abrange os povoados Cajueiro, Limoeiro, Porto Grande, Rio dos Cachorros e Taim; engloba também parte da Vila Maranhão e a Ilha de Tauá-Mirim, na qual localizam-se os povoados Amapá, Embaubal, Jacamim, Portinho e Tauá-Mirim, e um amplo espelho d’água na Baía de São Marcos, totalizando 16.663,55 hectares e perímetro de 71,21 km. Essa é uma área com forte presença de manguezais, além de várzeas e nascentes, sendo local de reprodução de várias espécies marinhas, dentre elas o Peixe-Boi (Trichechus manatus) e o Mero (Epinephelus itajara), que estão ameaçados de extinção. Especificamente na região da Resex, são encontrados também o macaco-cuxiú (Chiropotes satanas), o guariba (Alouatta alouatta) e o tamanduaí (Cyclopes didactylus), todos ameaçados de extinção, segundo o Ibama.
Desde o ano de 1996, as lideranças dos moradores da área vêm aprofundando seus conhecimentos sobre as reservas extrativistas e discutindo a possibilidade de criação dessa modalidade de unidade de conservação, o que resultou no abaixo assinado coordenado pelas organizações sociais locais solicitando a criação da Resex, protocolado no Ibama em 2003. Os estudos socioambientais e socioeconômicos realizados pelo Ibama foram concluídos em 2007, atestando a viabilidade e demonstrando a importância de criação dessa unidade de conservação.
Desde então, os moradores dos povoados envolvidos aguardam sua efetivação e buscam aprimorar suas práticas produtivas e sociais no sentido de garantir a conservação ambiental da área, uma vez que estes estão conscientes da corresponsabilidade de uso e conservação dos recursos ali existentes, destacando a pesca como a principal atividade extrativista realizadas pelas comunidades.
O processo de criação da Resex de Tauá-Mirim cumpriu todas as exigências legais e técnicas previstas na legislação vigente e sua implantação depende, atualmente, apenas da vontade política dos governantes.
Em um momento de forte expansão urbana e industrial, é importante para a saúde e qualidade de vida das populações da Ilha do Maranhão e de seu entorno a presença de áreas destinadas à conservação ambiental e à garantia da territorialidade de populações tradicionais. É também um valioso instrumento para a conservação de biomas e ecossistemas ameaçados, já que pela legislação ambiental vigente haveria a necessidade de criação de uma zona de amortecimento contígua à RESEX, o que minimizaria os impactos das atividades industriais e de infraestrutura na região.
A área em questão sofre disputas antigas devido a interesses diferenciados em relação ao seu uso, provocando o choque entre aqueles a planejam para fins industriais (o que gera degradação para o ambiente e para a vida das pessoas) e aqueles que desejam a manutenção do modo de vida secular e da segurança alimentar de populações tradicionais (principalmente através da pesca, do extrativismo e da agricultura familiar).
Desta forma, a criação da RESEX de Tauá-Mirim seria a efetivação de uma política pública que garantiria aos grupos sociais que ali vivem a possibilidade de sair da situação conflitiva em que se encontram e de buscar revigoramento de suas relações sociais, culturais e produtivas, articulando-as com a defesa e manutenção do ambiente em que sempre viveram.
Por outro lado, a recorrente postergação do ato que criaria oficialmente a Resex de Tauá-Mirim permite-nos constatar que a manutenção da qualidade de vida, proveniente da manutenção da qualidade ambiental, não é uma prioridade na agenda política nem do governo federal nem do governo estadual. A prática governamental prioriza os grandes empreendimentos. No entanto, o histórico dos últimos trinta anos de projetos de desenvolvimento no Maranhão tem demonstrado que nem mesmo a criação de novos postos de trabalho, utilizada como justificativa para novos empreendimentos, é uma forma eficiente de oferecer emprego à população maranhense, já que esta, em sua grande maioria, não possui qualificação suficiente para ocupá-los: vide os índices de IDH tão utilizados como referência e o baixíssimo índice de pessoas das comunidades em questão empregadas nas indústrias já implantadas em seu entorno.
Um dos principais motivos que as lideranças dos povoados que pleiteiam a criação da Resex de Tauá-Mirim alegam para resistirem à instalação de novos projetos industriais e de infraestrutura na região – e igualmente resistirem aos consequentes deslocamentos populacionais, já que são terras secularmente ocupadas por populações tradicionais – é a constatação da desestruturação comunitária e familiar que um deslocamento desses provoca. Essa constatação advém da experiência de seus vizinhos, que foram deslocados na década de 1980 para instalação do Complexo Portuário de São Luís, da Alumar e da Vale do Rio Doce. Caso haja novamente a necessidade de deslocamentos, as populações desalojadas, provavelmente, terão dificuldades em encontrar novas ocupações e terminarão por engrossar ainda mais o caldo de marginalizados na periferia do centro urbano de São Luís, o que se constituiria em uma tremenda injustiça social e ambiental.
Dentre as motivações para se criar unidades de conservação no entorno de São Luís, existe a necessidade de contornar a problemática ambiental presente na Ilha do Maranhão, por possuir as fragilidades inerentes a qualquer ambiente insular e por possuir máxima sensibilidade ambiental para as áreas de manguezais, principalmente quanto à prevenção de impactos ambientais oriundos de derramamento de óleo, produtos químicos altamente comprometedores (uréia, aldeídos, pesticidas, herbicidas, adubos, fertilizantes), além dos impactos ocasionados pelo esgoto doméstico jogado ao mar sem tratamento, já que a capital não possui estações de tratamento de esgoto ativas e muito menos redes para transportar os dejetos. Tal fato corrobora ainda mais a importância de conservação da região de estudo, na medida em que tal degradação ambiental leva à diminuição da produtividade da pesca em todos os ambientes aquáticos.
Deve-se lembrar, ainda, que as regiões estuarinas, onde ocorre o mangue (ecossistema manguezal), são consideradas área de preservação permanente pelo Código Florestal (Lei Nº 4771 de 15 de setembro de 1965), e estão também contempladas na Convenção Internacional de Ramsar – sobre a preservação de áreas úmidas, da qual o Brasil é signatário. O Maranhão é contemplado com dois sítios Ramsar dentre os oito sítios brasileiros: a Área de Proteção Ambiental da Baixada Maranhense e as Reentrâncias Maranhenses.
A Declaração de Changwon – um convite para ação do 10° Encontro da Conferência das Partes (no contrato para a Convenção de Ramsar sobre Zonas Úmidas), que foi realizada em Changwon, na República da Coréia, de 28 de outubro a 04 de novembro de 2008 – destaca a importância de impedir que as zonas úmidas do planeta sejam degradadas ou perdidas e de restaurar as que já estão degradadas, além de administrá-las sabiamente, baseado no reconhecimento claro de que todos dependemos de zonas úmidas preservadas para a manutenção da qualidade de nossa água, no que se reflete ao abastecimento (de água e de alimentos), à saúde, à agricultura, à pesca e à proteção da biodiversidade, além da minimização dos impactos das mudanças climáticas, já que as zonas úmidas ajudam na atenuação de enchentes, na retenção de carbono e na redução de emissões de gases estufa.
Segundo essa declaração, os tomadores de decisão precisam reconhecer a “infraestrutura natural” como um recurso principal no combate e adaptação às mudanças climáticas. Água e zonas úmidas funcionais têm um papel chave na resposta às mudanças climáticas e na regulação de processos climáticos naturais. A preservação e uso inteligente das zonas úmidas ajudam a reduzir os efeitos negativos que possam ocorrer, tanto sociais e ecológicos quanto na economia. Neste caso, a Resex de Tauá-Mirim seria um exemplo de política ambiental consonante com estes princípios e recomendações, já que a área proposta para a Resex é rica em manguezais e possui inúmeras nascentes e olhos d’água, além de ser, em função de suas características geológicas, uma área de recarga de aqüíferos (isto é, águas subterrâneas potáveis) que abastecem boa parte dos municípios localizados na Ilha.
O Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), vinculado ao Departamento de Sociologia e Antropologia (Desoc) e ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) da Universidade Federal do Maranhão (Ufma), desde 2005, realiza estudos na área, tendo produzido monografias de final de cursos de graduação, dissertações de mestrado, relatórios de pesquisa, artigos publicados em periódicos científicos e apresentados em congressos. A relevância destas produções resultou na publicação, em 2009, pela Edufma, do livro “Ecos dos conflitos socioambientais: a Resex de Tauá-Mirim”. Os estudos realizados atestam que as populações dos povoados envolvidos na criação da Resex são efetivamente populações tradicionais, algumas famílias moram na área há mais de cem anos, gerando modos de vida próprios e, historicamente, têm contribuído para a conservação ambiental do território que constituem.
Desta forma, as vésperas do aniversário de criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão do governo federal encarregado da gestão de unidades de conservação, a ser celebrado no dia 27 de agosto de 2010, e por todos os motivos acima apontados, estamos confiantes que a criação da Resex de Tauá-Mirim se constituirá em mais uma justa homenagem à memória de um dos formuladores da concepção de Reserva Extrativista, Chico Mendes, e àqueles que lutam cotidianamente, no Maranhão, para conservar seu modo de vida e o ambiente no qual foram criados e vivem.
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior**Sociólogo, Professor Doutor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Políticas Públicas; Coordenador do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão. Atualmente realiza seu Pós-Doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Elena Steinhorst Damasceno**Bióloga, Mestre em Saúde e Ambiente, Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e pesquisadora do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão.
Artigo socializado pelo Fórum Carajás e publicado pelo EcoDebate, 24/08/2010
des empreendimentos industriais, como o Consórcio Alumar e a Vale (nome pelo qual se apresenta a Companhia Vale do Rio Doce).
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