domingo, 21 de junho de 2020

"O mito da democracia racial mascara o genocídio da juventude negra". Entrevista com Keysse Dayane, indicada do MES/PSOL de São Luís à vice de Bira do Pindaré na corrida à prefeitura de São Luís.

  Nosso blog tem o prazer de publicar uma entrevista com Keysse Dayane, militante do movimento negro no Maranhão, do coletivo Juntos, Juntas e do MES/PSOL, indicada para disputar a vaga de vice-prefeita na chapa encabeçada por Bira do Pindaré do PSB na corrida pela Prefeitura de São Luís.


Keysse, em primeiro lugar você poderia se apresentar? Seu nome, idade, profissão, trajetória…

    Meu nome é Keysse Dayane de Sousa, sou quilombola, candomblecista, bacharela em Direito. Tenho 28 anos. Meu pai é subtenente da Polícia Militar do Maranhão e durante minha infância e pré-adolescência foi fotógrafo do Bloco Afro-Akomabu. Minha mãe é pedagoga, coordenadora de escola, tenho 4 irmãs, 3 pequenas e uma um ano mais nova que eu, que é advogada. minha família paterna é do Quilombo de São Cristóvão, Viana. Sou cria do Centro de Cultura Negra do Maranhão - CCN, e apesar de ter crescido dentro do movimento negro do Maranhão, só conhecia a parte cultural, não detinha conhecimento o suficiente sobre minha identidade e ancestralidade até passar por uma situação de racismo na faculdade onde comecei a graduação.

    Ter passado por um situação de racismo “disfarçado” fez com que eu tivesse de fazer transferência externa do meu curso para outra instituição, perdendo boa parte do que eu já havia cursado. Ter seu sonho quase ceifado e atrasado é um pesadelo que não desejo a ninguém, mas isso fez com que eu percebesse que a academia não era um local de acolhimento, mas de permanente opressões, por manutenção do status quo de uma sociedade racista.

    Antes mesmo de entender o que era racismo, ainda no início do curso superior pude passar por uma experiência que aos poucos fora desvendando a verdade em minhas retinas. Em meu primeiro estágio na área jurídica, o meu convívio com o sistema prisional fora de forma direta, em um núcleo de advocacia voluntária dentro do presídio de Pedrinhas. Naquele primeiro momento, ainda sem uma base teórica das nuances que o racismo atingia, me inquietou o fato da grande maioria dos apenados serem negros, periféricos, assim como eu. Intrigava-me a circunstância dos mesmos serem tratados como invisíveis para o sistema, não possuindo documentação dentro dos presídios e de não haver uma preocupação com a contagem da pena, consequentemente, da progressão de regime e outros benefícios pelos quais teriam direito.

    Com minha transferência externa me vi obrigada a buscar conhecimento a respeito das questões raciais. Então um amigo me convidou para participar de uma reunião do FONAJUNE (Fórum Nacional da Juventude Negra) que me deu o embasamento que eu precisava, nossos estudos semanais aos poucos destrinchava e explicava o mundo a minha volta.

    Realizávamos ações sociais no ano de 2015 e com a eminência do Projeto de Lei que visava reduzir a maioridade penal, organizávamos o Cine Quebrada com o intuito de levar uma dimensão lúdica do cinema e algumas oficinas, juntamente com a discussão social sobre o projeto de lei e quem seria o alvo dele. Até porque a maior arma que temos contra medidas como essa que ferem não só o Direito das Crianças e dos Adolescentes, assim como, Direitos Humanos, ainda é o conhecimento.

    Naquele ano tive oportunidade de representar o FONAJUNE na Frente Contra Redução da Maioridade Penal, realizada e organizada no Sindicato dos Bancários, pelos movimentos sociais em São Luís, no Maranhão. No mesmo ano, estive presente na CPI do Sistema Carcerário do Maranhão, no dia 23 de junho. Percebi de forma mais nítida, que o mito da democracia racial mascara o genocídio da juventude negra, boicotando a possibilidade de crescimento social, externalizado naquele momento através da busca desenfreada de por crianças no cárcere, bem como a irrelevância dada ao número de casos de morte e desaparecimento dentro dos presídios. Ficando evidente a dimensão colossal deste problema social.


O que seria o encarceramento em massa, senão o aglutinamento de corpos negros, animalizados, despersonificados juridicamente e levados a concessão mínima de direitos fundamentais, objetificados até a última instância? Tudo isso me levou a produzir a monografia com o tema “Criminologia e Racismo: o cárcere como instrumento de segregação racial no séc. XXI” para conclusão do curso de Direito na Universidade Dom Bosco, em 2019. Tema este que tenho palestrado em escolas públicas, órgãos estatais, não governamentais, como também em universidades públicas e particulares do meu estado desde 2017.

    No dia seguinte a minha defesa, fui convidada para representar o CONEGRU (Coletivo Negro da UFMA) na mesa de lançamento da Frente Estadual do Desencarceramento, em evento organizado pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos. Não há como se falar de Direitos Humanos no Brasil, sem pautar questões raciais, visto que a população mais marginalizada nesse país é a negra, vivendo até hoje as piores estatísticas sociais, fruto de uma desigualdade social cujo berço foi o primeiro sistema econômico aqui vigente, a escravidão. Por conta dela houve uma redução dos africanos a objetos, de valor, troca e venda. São apenas três gerações de descendentes de africanos, africanos em diáspora, livres. Vivendo a mercê de um sistema que tenta nos matar todos os dias das mais diferentes formas, não só a violência física, como psicológica, a desumanização dos corpos negros continua.

    Diante disso, ser uma mulher negra, dentro de uma área tão machista e racista como o direito, me fez ver que representatividade não é apenas ocupar esse espaço, mais também fazer a diferença, lutando em prol da mudança da realidade social da população negra e pretendo fazer isso em qualquer espaço que eu venha a ocupar.



Em relação à cidade de São Luís, quais os

principais desafios que precisam ser enfrentados

pelo poder público?


    As últimas gestões deixaram a cidade em completo abandono, desde infra-estrutura, saúde, educação, transporte, cultura, lazer. O que vemos atualmente é a população descontente. Quebrar essa ideia negativa, mostrando que política ainda é um instrumento forte de transformação e que o executivo tem por objetivo buscar a melhoria da qualidade de vida dos ludovicenses, seria para mim o primeiro desafio. E para isso, faz-se necessário que cidadãos entendam que permanecer votando nas mesmas conjunturas políticas passadas hereditariamente dentro das famílias abastadas do estado, não poderá gerar mudanças reais na realidade social que vivemos.



Em relação ao PSOL na sua opinião qual é a

papel do partido no enfrentamento dessas

dificuldades na cidade?



    Estamos num momento político bem favorável ao partido. A ascensão do fascismo no contexto federal, tem gerado uma constante redução de direitos e políticas públicas de inclusão, fazendo com que os brasileiros abrissem os olhos e pudessem ver que esse não é o caminho. Infelizmente, a pandemia do Covid-19 agravou as desigualdades sociais, mostrou como o governo federal não tem interesse em trabalhar na manutenção das nossas vidas e como lutar por ampliação de políticas públicas, bem como melhoria da qualidade e acesso a saúde é essencial e urgente.

    Na contramão do fascismo, o PSOL tem como estandarte a inclusão e respeito a diversidade, buscando amparar as minorias que são constantemente desrespeitadas pelo sistema. Vivemos num estado cuja 80% dos habitantes são negros, tal estimativa reflete diretamente em nossa cidade. A maior parte da população vive em condições precárias, tendo desrespeitados diversos direitos fundamentais. A realidade nos grandes quilombos urbanos, também chamados de periferias, nos mostram isso; falta o mínimo: água encanada, sistema de esgoto e escoamento, pavimentação, se locomover pela cidade usando o transporte público é um desafio diário, diante da falta de qualidade e manutenção do serviço.

    Nesse sentido o PSOL não só em nossa cidade, como no Maranhão, tem uma responsabilidade muito grande para cumprir e para isso, precisamos ocupar espaços decisórios no sentido de enfrentar as estruturas de manutenção do status quo e por meio disso, auferir uma mudança na realidade social vigente.



Na sua opinião por que o PSOL de São Luís ainda

não  se apresenta como alternativa real para o

campo de esquerda e para os militantes e

ativistas da cidade?


    O PSOL tem avançado em nosso estado, buscando filiar lideranças comunitárias, quilombolas e indígenas, bem como militantes dos movimentos sociais, nesse sentido me sinto muito bem representada. Entretanto, se tratando da nossa cidade, ainda existem figuras antigas no partido que não conseguiram acompanhar as renovações e força que diversos movimentos sociais ganharam nos últimos anos, desencadeando um atraso, tendo em vista que a maior parte da nossa população é jovem, aberto a essas mudanças e quer se sentir representado.


Como foi a sua aproximação com o PSOL e com o

MES?


    Eu não consigo me recordar como conheci Nonnato Masson e por meio de quem. Só sei que ele está presente na minha vida desde 2015, meu querido e eterno orientador, pessoa pela qual tenho muito carinho e admiração, advogado, quilombola, militante. Ele sem dúvidas é o maior responsável pela minha filiação. Masson sempre me incentivou a buscar conhecimento dentro dos movimentos sociais e a refletir de maneira mais crítica dentro do curso de Direito.


Ele vem plantando a semente para minha filiação há anos, creio que desde 2016. Em 2017 quando conversávamos sobre a minha monografia ele me mostrou figuras importantes dentro do partido, mulheres recém eleitas e entre elas estava Marielle Franco, Sâmia Bonfim. Foi então que resolvi fazer uma pesquisa aprofundada sobre o partido e me senti ideologicamente representada pelo mesmo, me filiando ao PSOL no dia 08 de setembro de 2019, sendo o MES a tendência que mais me identifico.



Em relação à postulação à candidatura de Vice-

Prefeita na chapa junto com Bira do Pindaré

como você entende a importância da unidade da

esquerda democrática no enfrentamento do

bolsonarismo e do neofascismo no Brasil?


    Mais do que nunca a esquerda precisa se fortalecer, buscando alianças sólidas para retardar o avanço do neofascismo, desse modo a coligação numa chapa com o deputado Bira do Pindaré só mostra o quanto estamos no caminho certo. O deputado é o pré-candidato a prefeito que mais representa a mim e aos cidadãos ludovicenses. Tem origem simples, veio dos movimentos estudantis e atualmente luta pelas questões quilombolas, sendo presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas, ajudando na suspensão da remoção das comunidades tradicionais que vivem na área da Base Espacial de Alcântara, que ocorreria mesmo durante uma pandemia. O seu olhar humano pelas causas sociais só mostra como a cidade tem opção viável no enfrentamento ao bolsonarismo.



Na sua opinião qual a importância da

participação de mulheres, negros e negras e da

juventude no enfrentamento aos problemas

estruturais que a cidade de São Luís possui?


    Marielle Franco sem dúvidas é uma grande inspiração para mulheres negras e jovens que vislumbram uma carreira política. Apesar do sentimento de injustiça pela sua perda, várias Marielles estão surgindo para romper a estrutura política atual, onde a participação de negros é irrisória. Se tratando de um estado de maioria negra como nosso, fomentar a ocupação desses espaços de poder é mais que necessário para que nossas demandas sejam ouvidas e amparadas. E parafraseando Carolina de Jesus, “o Brasil precisa ser dirigido por alguém que já passou fome”, nossa cidade precisa ser dirigida por quem viveu as piores condições sociais dadas pelo Estado. Hoje não temos ao menos uma vereadora negra. Ainda há um caminho longo para percorrer e como mulher, preta e quilombola, espero fazer a diferença nesse sentido.



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