segunda-feira, 19 de novembro de 2007

"No século 19, Marx já previa a globalização", diz Hobsbawm

O incansável pensador marxista visita Barcelona para falar da Europa e reflete sobre alguns episódios essenciais do século 20, critica os fundamentalismos de todo tipo e mostra a complexidade do fenômeno terrorista

José Andrés Rojo
Em Barcelona

Eric Hobsbawm tem 90 anos e é uma referência indiscutível no mundo dos historiadores. Autor de "A Era dos Extremos - o Breve Século XX: 1914 - 1991", de "Guerra e Paz no Século 21" e da autobiografia "Anos Interessantes", entre muitos outros títulos, defende a força das idéias de Marx para analisar o que acontece no mundo atual. Ontem, junto com Donald Sassoon e Josep Fontana, participou de um seminário sobre a Europa organizado pelo Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona. Por isso pediu para não falar do Velho Continente, mas tratou de várias outras questões.

Weimar e Hitler. "Era inevitável politizar-se naquele tempo. Eu vivia na Alemanha e não podia ser social-democrata (eram muito moderados), nem nacionalista (era inglês e judeu), nem me interessava o sionismo. Por isso me alistei em uma associação juvenil que embora se chamasse socialista estava marcada pelos comunistas. Assisti ao colapso da República de Weimar e participei ativamente (o que representava muitos riscos) das eleições de 1933 que foram ganhas por Hitler. Então fui para a Inglaterra e comecei a estudar em Cambridge."

Trinta anos de guerra. "Com a guerra de 1914 terminou o mundo da grande cultura burguesa. Depois vieram mais de 30 anos de guerras, revoluções, instabilidade e crises, uma época catastrófica. Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, entramos em uma aceleração da economia, da sociedade e da cultura que não cessou mais. Não foi um salto, foi um crescimento contínuo. A Internet transformou tudo e tem só 15 anos."

O poder do marxismo. "Os marxistas acreditavam que a classe operária fosse crescer, quando o que aconteceu é que decresceu, e países como os EUA ou a Inglaterra inclusive estão se desindustrializando. A luta política baseada na luta de classes não é mais muito eficaz. Mas Marx sobrevive em sua concepção materialista da história e em sua análise do capitalismo. No século 19, já previa a globalização, e quando se comemorava o 150º aniversário do Manifesto Comunista, as crises econômicas do Sudeste Asiático e da Rússia em 1997 e 1998 confirmaram suas previsões. O poder do marxismo continua intacto, ao contrário de muitas idéias políticas de Marx que obedeciam, mais que à análise, aos sonhos de igualdade."

A Revolução Russa. "O socialismo triunfou em países atrasados e sua obsessão foi modernizá-los. Na União Soviética a idéia era desencadear uma rápida industrialização, e se para fazê-lo fosse necessário recorrer a procedimentos autoritários, que fosse. Não quero justificar os campos de trabalhos forçados, que são injustificáveis, mas as conquistas foram extraordinárias. Durante a Segunda Guerra Mundial a URSS não sucumbiu, mas derrotou o inimigo mais poderoso: o exército alemão. Não o fez mobilizando as massas. Conseguiu porque era um país industrializado com notáveis avanços tecnológicos e com gente preparada. O modelo para alcançar uma industrialização tão rápida foi o da economia de guerra. O preço foi não conseguir que a economia tivesse uma dinâmica própria."

Putin e os gângsteres. "Não se pode compreender sem a crise de 1991. E então se viu claramente que o afã de fazer da Rússia um Estado capitalista a toda velocidade era inclusive mais difícil do que industrializar um país atrasado. Foi tal o cataclismo que Putin pelo menos conseguiu que o Estado funcione. Se a economia caiu nas mãos dos gângsteres, o que conseguiu é que estes obedeçam ao Estado."

Os fundamentalismos. "Afetam todas as religiões. No caso islâmico, a revolução que triunfou no Irã tinha uma forte vontade de consolidar um Estado, centralizá-lo e modernizá-lo. Os fundamentalistas judeus são desde 1967 os mais vigorosos defensores de Israel e reivindicam suas ambições imperialistas. E não se deve esquecer a virada fundamentalista dos católicos com os últimos papas e das comunidades protestantes nos EUA."

O terrorismo islâmico. "Seu poder militar é mínimo. O atentado em Nova York não chegou a desestabilizar a cidade, exceto durante algumas horas. É preciso salientar que há lugares (Afeganistão, Paquistão, Oriente Médio) onde os grupos terroristas jogam politicamente um papel importante e não podem ser desprezados. Outra coisa é o terrorismo islâmico em nossos países. Corresponde a uma reação antiimperialista, e não querem que em seus países se imponha o capitalismo ocidental. Na Inglaterra, os terroristas também reagem contra a religião herdada de seus pais, mais moderada. Costumam pertencer às elites e sua educação é superior à média de seus países."

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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