domingo, 23 de dezembro de 2007

Grande mídia despolitiza os jovens e só os vê como consumidores


A grande mídia tradicional e conservadora do Brasil e de toda a América Latina, nas mãos de poucos donos, prioriza seus interesses particulares e concede pouco espaço às informações que efetivamente interessam aos jovens do continente. Ao contrário, conduz o seu noticiário de forma a despolitizá-los e tem como preocupação principal induzí-los ao consumismo. Estas constatações levaram Ermanno Allegri (foto), padre há 34 anos, hoje pároco de uma igreja da periferia de Fortaleza, a fundar em 2001 a Adital, uma agência de notícias online com sede na capital cearense e voltada quase exclusivamente a veiculação de notícias dos movimentos sociais brasileiros e sul-americanos. A Adital distribui suas informações diárias a 30 mil endereços no continente, um público que além de veículos de comunicação inclui movimentos organizados da sociedade civil, principalmente ONGs e outras entidades que atuam junto a movimentos de sem terra, jovens, mulheres, índios e homossexuais. Otimista, padre Ermanno torce e espera que a TV pública brasileira que começa a operar force uma mudança no panorama da atuação dessa mídia no país, obrigando também as TVs comerciais a mudarem o caráter de mero espetáculo que dão hoje às notícias e as leve a revelarem o Brasil real em seu noticiário.

Pergunta - Como nasceu a Adital e de que forma ela contribui para a discussão de problemas comuns na agenda latino-americana?

Ermanno Allegri - A agência de notícias nasceu a partir de uma proposta feita por algumas pessoas aqui de Fortaleza. Já trabalhávamos numa agência de menor porte para o Estado do Ceará. Ficamos satisfeitos com a sugestão apresentada porque se tratava de ampliar para um público bem maior o que já estávamos fazendo. Poderíamos valorizar as fontes de notícia, que são os grupos sociais, os de direitos humanos, as pastorais, etc, que já atuam junto a sociedade e que, com seu trabalho, foram os protagonistas das mudanças registradas na América Latina, em particular no Brasil, nesses últimos anos. Por isso, a proposta foi aceita e começamos a fazer contato com o maior número possível de pessoas e grupos organizados da sociedade civil para que se tornassem fontes de informação. Acertamos que enviem para a agência aquilo que pensam, o que fazem, os programas que desenvolvem para que isso se tornasse informação de fato. Fizemos essa opção por sabermos que esse tipo de notícia não interessa a grande mídia.

Pergunta - Em que ano isso ocorreu e quantos colaboradores a agência tem hoje?

Ermanno Allegri - Começamos a estruturar a agência em 2001 e no ano seguinte passamos a divulgar as informações, as notícias, no nosso site. Atualmente temos cerca de 30 mil endereços do Brasil, América Latina, Europa e Estados Unidos que recebem diariamente a informação. Além do site, que recebe de 10 a 15 notícias e artigos diariamente, mandamos e-mail com notícias. Esse tipo de informação chega, principalmente, para quem trabalha com comunicação, para jornalistas, comunicadores de rádio e para pessoas que trabalham com um compromisso com a sociedade organizada. Temos muitas pessoas ligadas a universidades - alunos e professores - a setores religiosos comprometidos com a causa social, ONGs de direitos humanos, de indígenas, de pescadores, de homossexuais, enfim, a setores que, de fato, agem hoje na sociedade.

A sociedade fica sem uma força
fundamental, que é a força da juventude.

Pergunta - De que forma a informação contribui para o trabalho das comunidades?

Ermanno Allegri - As informações que enviamos são muito aproveitadas e de várias maneiras. Aproveitadas por pessoas que as usam nas escolas, em encontros, seminários e cursos de línguas. As pessoas que escrevem para nós colocam que esse tipo de informação que divulgamos não é encontrado em outros lugares e em outros meios de comunicação. É uma informação que abre uma visão diferente, um jeito novo de ver a América Latina. Além de nós, quem se preocupa em divulgar o trabalho dos sem-terra, dos grupos organizados nas periferias das cidades, dos que trabalham por uma economia solidária em que não prevaleça só o interesse particular de cada um? Diariamente divulgamos uma matéria sobre temas dessa natureza, que alcança um grande número de pessoas e grupos. E o que elas recebem como informação se transforma em ação ou pelo menos em tema de reflexão.

Pergunta - Qual o conteúdo dessas informações transformadoras, que levam o público a novas iniciativas ?

Ermanno Allegri - O que divulgamos é o que vem dos setores sociais engajados, aqueles que chamamos de protagonistas da história desses últimos 20 ou 30 anos na América Latina. São conteúdos diretamente relacionados à reflexão, a estudos ou informações sobre o que esses grupos e pessoas já estão realizando, às vezes por conta própria e como grupos isolados, mas na maioria das ocasiões como equipes já constituídas. Eu diria que a informação que divulgamos vem de uma vida já vivida, de experiências, da realidade que já acontece, de práticas já colocadas na vida cotidiana. São informações que saem da experiência de vida, chegam às pessoas e transformam as intenções delas, as de segmentos das periferias urbanas ou de grupos de trabalhos, estudos e pesquisas em universidades.

Pergunta - Como o senhor avalia o espaço dado pela mídia latino-americana tradicional aos movimentos de jovens no continente, às suas reivindicações e aos assuntos que mais diretamente afetam a vida e o futuro deles?

Ermanno Allegri - A mídia tradicional no Brasil e em quase todos os países da América Latina apresenta um panorama um pouco triste nesse sentido. É uma mídia que tem certos interesses, um número restrito de donos e sua preocupação não é conhecer o que a juventude necessita ou realiza, mas orientá-la para o consumismo ou, muitas vezes, levá-la ao desinteresse pelas questões fundamentais. O objetivo é levar a juventude à não participação na vida política e social. Às vezes isso é até incentivado. O propósito é tirar a esperança e quando você tira a esperança da juventude em seu futuro, atrapalha, não deixa deslanchar uma vida, um movimento. Assim a sociedade fica sem uma força fundamental, que é a força da juventude.

Pergunta - Como as novas mídias, a internet, o serviço de mensagem curta via celular, a TV Web que está chegando e outras ferramentas de comunicação que surgem com a tecnologia digital podem contribuir para ocupar esse espaço, divulgar essas notícias de interesse de juventude e que não saem nas mídias tradicionais ?

Ermanno Allegri - Parece que hoje as crianças já nascem usando o celular e o computador. Então, nesse sentido, as novas mídias facilitam porque se você consegue colocar na mão dos jovens esses elementos – um acontecimento, uma informação, uma fotografia - isso serve para uma reflexão. Os jovens podem ver não só como diversão mas, também, como algo de interesse para a vida para o seu futuro, para aquilo que querem e se propõem realizar. Às vezes se percebe que eles captam muito bem e que dentro desses meios que utilizam promovem uma pulverização. Um passa para o outro a informação. Esse é um fato e o importante é que as informações sejam de boa tendência porque eles são multiplicadores. Isso é vital. Se entrarmos nos grandes buscadores como o Google e o Terra veremos que tem mais de um milhão de notícias da Adital. Portanto as informações que a Adital passa para 25 ou 30 mil endereços são multiplicadas, dia após outro, pelo nosso trabalho. Essa pulverização de informações é um fato interessante.

Por muito tempo as periferias
ficaram à margem da informação


Pergunta - Dentro desse contexto qual a importância da inclusão digital ?

Ermanno Allegri - Encontrei dias atrás, em Brasília, um grupo que faz exatamente esse trabalho (de inclusão) junto a cooperativas agrícolas. Ele oferece aos jovens que moram nas áreas rurais a possibilidade de alcançar informações e se isso acontece na área rural, ocorre ainda com maior profundidade nas periferias urbanas. No bairro em que atuamos em Fortaleza tentamos oferecer à juventude a possibilidade de conhecer mais a mídia através da internet. A inclusão digital é um instrumento que democratiza a informação. Se eu não confio mais na TV, no jornal ou numa determinada revista, a inclusão abre um panorama novo. Abre um leque amplo de informação, de uma riqueza muito grande, para receber a notícia diretamente de vários sites da internet ou informações que vem dos amigos.

Pergunta - Como o senhor vê o movimento cada vez mais forte nas periferias, de escolas de comunicação popular, rádios comunitárias e produção audiovisual?

Ermanno Allegri - Participei recentemente de um encontro organizado pelo Itaú Cultural em que estavam presentes representantes de mais de 50 grupos que trabalham exatamente nesse sentido. Fiquei admirado porque esse movimento me fez ver a criatividade que o jovem tem e gera um interesse novo pela informação. O que mais me impressionou foi o trabalho de jovens de um bairro que foram às padarias e ofereceram sacos para embalar os pães, nos quais publicam notícias. As pessoas compram pães e os levam em uma embalagem onde estão impressas notícias do dia anterior. Para mim isso demonstrou que os jovens se interessam por informações e que, dando-lhes oportunidades e orientando-os profissionalmente eles são capazes de coisas muito criativas, positivas, no sentido de construção da democratização da informação.


Pergunta - Esse tipo de movimento pode mudar a realidade das periferias ?

Ermanno Allegri - Tem muito trabalho ainda. Moro e trabalho na periferia de Fortaleza e percebo que por muito tempo essas pessoas ficaram à margem da informação, do interesse do Estado. São pessoas que quase não tiveram na vida oportunidades para adquirir conhecimento, estudo, uma formação mais profunda. Qualquer movimento no sentido de crescimento da pessoa ajuda e interessa à juventude, ela percebe o seu valor e a leva e motiva à participação social. Tudo isso ajuda, embora eu tenha a convicção de que o necessário seria um grande movimento de informação e de formação ao mesmo tempo. Ideal seria se ter revistas com capacidade de transmitir valores, que tenham conteúdo para reflexão e que pudessem ser distribuídas aos milhões. Informação significa chegar ao coração das pessoas com bons valores para construir a sociedade. O governo deveria levar mais a sério esse tipo de trabalho e perceber a infinidade de valores que a vida exige. Já há um esforço de muitos nesse sentido e isso é importante, um dado fundamental porque ajuda movimentos maiores a traçar uma linha de trabalho dirigida a juventude e que coloca a pessoa humana como centro de seu interesse.

Pergunta - Qual a importância da informação na vida das pessoas, especialmente nas classes economicamente mais baixas e que têm pouco acesso a informação?

Ermanno Allegri - A importância é muito grande, mas o que chega a essas camadas da população ainda é insatisfatório, principalmente em se tratando das questões políticas, do que acontece no governo, na sociedade. É ruim colocarmos informações parciais, com a defesa de apenas um dos lados, sobre uma questão séria como a transposição do rio São Francisco e a greve de fome do bispo de Barra (BA) D. Luiz Flávio Cappio. Que se noticie a transposição e o jejum do bispo, mas que também se coloquem notícias e artigos que possibilitem uma reflexão ampla sobre essas questões. O noticiário não deve trazer só o que faz o presidente da República, o bispo Cappio, o Exército (que constrói a obra), mas também aquilo que acontece nos bastidores, elementos fundamentais para a boa informação da sociedade.

É importante a TV pública
valorizar a cultura do povo


Pergunta - Como o senhor vê o surgimento da TV pública no Brasil? De que forma ela pode contribuir para democratizar o acesso à informação no país?

Ermanno Allegri - Espero que a TV pública brasileira tenha dois elementos fundamentais: informação séria, que não seja igual a que você vê e escuta em todos os noticiários, todos com as mesmas idéias e os mesmos fatos; e que valorize a cultura do povo, seus valores sociais, sua solidariedade. Quero e espero que a TV pública traga informações sobre o Brasil e não um espetáculo. Infelizmente as TVs que temos hoje transformam o noticiário da vida política, social e econômica em fatos sem interesse, numa espécie de espetáculo de variedades, de “Fantástico”. Quando você chega ao fim do noticiário você se pergunta: “no Brasil só acontece isso?”. Informação, noticiário, deve ser geral, de tudo aquilo que acontece no país. E, insisto, é importante a TV pública valorizar a cultura do povo, dos setores que trabalham na sociedade mas não apenas no sentido de folclore. Valorizar a cultura no sentido de valores sociais, de uma forma que leve o povo a perceber o que significa viver em sociedade, o que significa solidariedade, o interesse pela outra pessoa, leve a constituição de grupos que busquem e construam justiça e uma mentalidade nova em relação ao que é o bem público. Se esses dois elementos estiverem presentes na TV pública, para mim, será uma revolução sem igual. Se for assim a TV pública brasileira obrigará também as outras televisões a serem mais sérias.

Pergunta - Qual a proposta de trabalho da Adital para inserir a juventude na mídia do continente e, principalmente, levá-la a ter como pauta assuntos que interessem ao jovem ?

Ermanno Allegri - A Adital não se dirige somente aos jovens, embora no continente eles constituam uma porcentagem que evidentemente não se pode desconsiderar. A maioria dos jornalistas que trabalha aqui na Adital são jovens que recebem a informação, comparam-na ao que aprenderam na escola e dão uma complementaridade social ao que noticiam. Damos mais informações sobre aquilo que a sociedade organizada realiza. Colocamos esse diferencial, esse elemento novo para a juventude e para os profissionais da informação. Trabalhamos agora, também, com muitas emissoras de rádio que percebem a importância de fazer os jovens receberem as informações com essa característica.


Pergunta - Se não houver definição de novas políticas, como o senhor vê o futuro da juventude latino-americana ?

Ermanno Allegri - O continente hoje tem alguns governos mais abertos, bem diferentes de 20 anos atrás. Temos que ver e acompanhar o que de fato propõem e há muitas propostas visando finalmente construir o bem comum. Espero que essas políticas sejam mais aprofundadas em nossos países. Vamos falar do governo Lula. Tem elementos muito fortes de trabalho, nunca feitos antes com relação a juventude. Os jovens brasileiros hoje tem uma série de possibilidades de estudos, de trabalho, de se profissionalizar, que não havia antes. Agora uma coisa é dizer que existe um trabalho, que temos um começo e outra coisa é que já respondemos, preenchemos as necessidades. As necessidades reais da juventude no Brasil e na América Latina exigem investimento de capitais - sobretudo investimento humano - atenção, interesse eu diria 100 vezes maior maior do que o que está acontecendo agora. Eu espero que não se fique só nesse começo, que seja uma coisa só para aparecer, como um cartão postal colorido. Se for isso, é falso.

Pergunta - Qual é a atuação, hoje das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, extremamente presentes na vida social e política dos países do continente nos anos 70 e 80 e que foram contidas no papado de João Paulo II?

Ermanno Allegri - Elas foram extremamente participantes e mobilizadoras naqueles anos no continente. As CEBs, com certeza, são uma das grandes atuações do espírito de Deus dentro de América Latina, em particular, eu diria, dentro do Brasil. Tiveram papel importante também na Europa, eu diria que, em particular, na História da Polônia, onde se contrapuseram a um regime forte, marxista. Ali esse regime quando tentou resistir e se manter encontrou uma força igual e contrária que era uma Igreja Católica forte e organizada. Ela atuou politicamente (contra o regime) e com certeza a atuação de João Paulo II com relação à Igreja na América Latina foi muito marcada pela sua visão européia, da Igreja em seu país natal.

Mas a situação começa a mudar. Se compararmos a conferência dos bispos que aconteceu agora, no mês de maio, em Aparecida do Norte, com Bento XVI, com a conferência episcopal anterior realizada em São Domingos com João Paulo II, a diferença é comparável a do dia para a noite. Em São Domingos havia quase que um controle policialesco dos bispos que participaram. Os representantes da Cúria Vaticana ditaram as normas do documento final que saiu em São Domingos. Houve uma diferença enorme no documento final agora em Aparecida, do qual todo mundo participou. E neste documento de Aparecida as CEBs foram reconfirmadas como linha importante de atuação para continuar na América Latina. É claro que hoje elas tem uma atuação diferente. Anos atrás aqui no Brasil elas eram um espaço onde a ditadura não podia entrar – se entrava o fazia para repressão. Naqueles anos até diminuiu o número de CEBs. Elas foram, então, um espaço importante para vários caminhos, para a atuação da Igreja e da sociedade. Sem ditadura, hoje a sociedade é mais pluralista, tem muitos setores organizados. Depois da conferência de Aparecida, temos uma oportunidade fundamental, que devemos aproveitar bem, na qual há possibilidade de participação maior não só da cúpula, mas de todo o clero, de leigos, mulheres, jovens. Todos com um espaço forte e sobretudo o direito de falar e participar de decisões.

Pergunta - Com Bento XVI há possibilidade de termos uma Igreja mais atuante social e politicamente ou ela será mais voltada para a questão da religiosidade ?

Ermanno Allegri - Tem setores e facções da Igreja ligadas simplesmente a alguns momentos da vida das pessoas, à religiosidade e isso, com certeza, talvez seja até a maioria, ou o setor mais hegemônico dentro da Igreja. Mas temos também uma Igreja muito forte e atuante nas questões sociais e políticas. E para nós falar de social e de políticas significa viver a caridade, mas uma caridade que me coloca dentro de uma sociedade para renová-la com base na justiça, no amor ao próximo, no respeito aos outros, a paz, a elementos que proporcionem construir uma sociedade em que não haja tanto sofrimento, tanta exclusão. Os grupos organizados já estão dentro da Igreja, agora é só chamar mais gente, multiplicar para que haja o fermento que acelere o amadurecimento da sociedade na América Latina.

Mais informações sobre o trabalho da agência Adital em www.adital.org.br

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